quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O autoengano

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 18/11/2015

O ministro Joaquim Levy assumiu a Fazenda com a meta de alcançar um superavit fiscal de R$ 70 bilhões; chega ao fim do ano com um rombo de R$ 119,8 bilhões


A Comissão Mista de Orçamento aprovou ontem o projeto de lei que reduz a meta fiscal de 2015. Segundo o texto, o governo será autorizado pelo Legislativo a fechar as contas com um rombo recorde de até R$ 119,9 bilhões em 2015. 

O valor considera o abatimento de até R$ 57 bilhões para compensação das chamadas pedaladas fiscais, que são os pagamentos atrasados a bancos públicos em 2014. A proposta recebeu 22 votos favoráveis dos deputados e apenas oito contrários; entre os senadores, a aprovação foi simbólica.

O governo trabalha agora para que a proposta seja aprovada pelo Congresso, o que deve acontecer com o apoio do PMDB e do PSDB. No fim de outubro, diante das dificuldades econômicas, a meta fiscal de 2015 foi revisada de novo pelo Executivo, passando de um superavit (economia para pagar juros da dívida) de R$ 8,7 bilhões para um deficit de R$ 51,8 bilhões nas contas públicas. A decisão livrará a presidente Dilma Rousseff do risco de ter as contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e ser enquadrada em crime de responsabilidade, o que abriria caminho para seu impeachment.

Em junho de 2015, as “pedaladas fiscais” somavam R$ 40 bilhões, segundo uma representação do Ministério Público Federal, repetindo-se uma situação que levou o TCU a rejeitar as contas da presidente Dilma Rousseff de 2014. Segundo os auditores do TCU, indevidamente, o governo deve ao BNDES, R$ 24,5 bilhões; ao Banco do Brasil, R$ 13,5 bilhões; e à Caixa Econômica Federal, R$ 2,2 bilhões.

As “pedaladas” funcionam como uma espécie de “empréstimo” à União, o que contraria a Lei de Responsabilidade Fiscal. O atraso dos repasses para bancos públicos do dinheiro de benefícios sociais e previdenciários acaba obrigando as instituições financeiras a usar recursos próprios para honrar os compromissos do governo, mesmo com saldo negativo na conta da União. Ou seja, é como descontar cheque sem fundos.

Faz de conta

O governo não tinha detalhado o valor da “pedaladas” ao enviar ao Legislativo o projeto de lei alterando a meta. O deputado Hugo Leal (Pros-RJ), relator do projeto, porém, decidiu não deixar esse valor em aberto e o fixou, inicialmente, em R$ 55 bilhões. Depois, alterou novamente para R$ 57 bilhões, que é o valor admitido oficialmente pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

A Comissão Mista de Orçamento também abriu a possibilidade de abater da meta fiscal o rombo de R$ 11,1 bilhões previsto para o setor elétrico, caso não ocorra o leilão das hidrelétricas, marcado para o fim do mês. Como o Tribunal de Contas da União deve determinar que o governo pague as pedaladas ainda neste ano, decidiu ainda que o deficit nas contas públicas poderá atingir a espantosa marca de R$ 119, 9 bilhões.

Onde está o autoengano? No fato de que toda essa ginástica legislativa garante a impunidade para a má gestão econômica e administrativa, mas não resolve em nada o problema principal do país: o agravamento da crise econômica, cujas repercussões sociais estão apenas começando. O ministro Joaquim Levy assumiu a Fazenda com a meta de alcançar um superavit fiscal de R$ 70 bilhões; chega ao fim do ano com um rombo de R$ 119,8 bilhões.

O economista e filósofo Eduardo Gianetti escreveu um livro intitulado Autoengano, sobre as mentiras que contamos a nós mesmos, como adiantar o despertador para não perder a hora, ou termos a nosso próprio respeito uma opinião que quase nunca coincide com a extensão de nossos defeitos e qualidades.

Segundo ele, sem o autoengano, a vida seria mais dolorosa e desprovida de encanto, porém, abandonados a ele, “perdemos a dimensão que nos reúne às outras pessoas e possibilita a convivência social”. O que está acontecendo com a economia e a própria política brasileira tem muito a ver com isso. O Palácio do Planalto e seus aliados fazem um jogo de mentirinha, no qual se enganam quanto à própria capacidade de enfrentar a crise econômica, política e ética.

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