terça-feira, 24 de novembro de 2015

Não chores por nós

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 24/11/2015

A política argentina tem mais simetria com a brasileira do que se imagina. Perón assumiu o poder pelo voto em 1946 com um programa muito parecido com o de Getúlio Vargas


A música Don’t Cry for Me, Argentina (Não Chores Por Mim, Argentina), de Andrew Lloyde Webber e letra de Tim Rice, é a mais conhecida da peça musical Evita, encenada a primeira vez em 1978. Foi gravada por uma dezena de grandes artistas, mas a versão mais popular, sem dúvida, é a de Madonna, de 1996, considerada sua maior performance vocal. Reflete o drama pessoal de María Eva Duarte de Perón, segunda mulher do ditador argentino Juan Domingo Perón. Atriz, fez uma carreira meteórica, num regime ancorado no paternalismo e na demagogia.

Sua morte trágica e misteriosa, aos 33 anos, causou grande comoção popular. Sem Evita, cujo túmulo é visitado até hoje (seu cadáver chegou a ser “roubado” pelos militares), não existiria o peronismo. O fascínio que Evita exerce sobre o povo da Argentina explica um pouco como Isabelita Perón, segunda esposa do ditador, e mesmo Cristina Kirchner, mulher do presidente Néstor Kirchner, chegaram ao poder. “Será difícil de compreender, que apesar de estar hoje aqui,/ Eu sou povo e jamais poderei me esquecer, peço me creiam (…) / Não chores por mim Argentina, minha alma está contigo,/A vida inteira eu te dedico, mas não me deixes, Fica comigo.”

O recado de que nada será como antes no Mercosul foi dado ontem mesmo pelo presidente eleito, em conversa por telefone com a presidente Dilma Rousseff, ao propor que os dois países tenham relações “mais fluidas e dinâmicas”, segundo o Palácio do Planalto. Dilma cumprimentou Macri e o convidou a vir ao Brasil antes mesmo de sua posse no comando da Casa Rosada, marcada para 10 de dezembro. Segundo a assessoria do governo, Macri quer dar “nova vitalidade” ao Mercosul, bloco econômico formado por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela.

A eleição argentina foi uma derrota pessoal para o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, responsável pela política externa brasileira para a América Latina. O marqueteiro de Dilma, João Santana, chegou a ser mobilizado por Cristina Kirchner para socorrer o candidato peronista derrotado, Daniel Scioli, que em outubro fora recebido no Palácio do Planalto a pedido da presidente da Argentina.

Simetria

Macri, de 56 anos, é ex-presidente do Boca Juniors — um dos principais clubes de futebol da Argentina — e líder de uma frente de centro-direita que faz oposição ao governo Cristina Kirchner. As eleições de domingo encerraram 12 anos de uma mistura de populismo, heterodoxia econômica e tentativas de controlar o Judiciário e a imprensa. A “nova matriz econômica” argentina, leia-se, mais gastos públicos para fazer a economia crescer, resultou num desastre: 25% de inflação e deficit fiscal de 6% ao ano; 40% da população argentina recebe pensão, salário ou benefício do Estado.


A coligação Cambiemos tem plataforma liberal, contrária ao controle do comércio ou dos capitais. Deverá promover mudanças pró-mercado, como o fim do controle cambial, mas o novo presidente eleito não mexerá nos programas sociais, nem reverá nacionalizações, como as dos fundos de pensão e da petrolífera YPF. Macri não é oriundo da ala peronista, nem da radical.

A política argentina tem mais simetria com a brasileira do que se imagina. Perón assumiu o poder pelo voto em 1946 com um programa muito parecido com o de Getúlio Vargas, que governou o Brasil de 1930 a 1945. Seus objetivos eram aumentar o emprego e o crescimento econômico, a soberania nacional e da justiça social. Foi reeleito em 1952, mas acabou deposto por um golpe militar em 1955, cerca de um ano depois do suicídio de Vargas, que havia voltado ao poder pelo voto em 1950. Ambos simbolizaram o populismo e o “caudilhismo” na América do Sul.

Outro período de simetria política do Brasil com a Argentina se deu durante o nosso regime militar, que durou de 1964 a 1985. Os militares argentinos permaneceram no poder de 1966 a 1973, quando Perón foi anistiado e voltou à Argentina. Eleito novamente em 1974, faleceu um ano depois. Isabela Perón era vice-presidente e assumiu o poder, mas foi destituída um ano depois. Os militares permaneceram no poder até 1983. Foram desmoralizados, porém, na Guerra das Malvinas, que ajudou a acelerar o fim dos regimes militares na região. A doutrina de segurança nacional dos exércitos sul-americanos foi posta em xeque quando os Estados Unidos apoiaram os ingleses, mas essa é outra história.

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