quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O jogo duplo


Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense - 30/09/2015

 Cunha conseguiu amansar o PT e agradar à oposição, mas não está livre da Operação Lava-Jato. A cada semana, surgem novas denúncias contra o presidente da Câmara

 Certa passagem da Arte da Guerra, do famoso general chinês Sun Tzu, diz que não se ganha uma guerra sem espiões, que ele classifica em cinco categorias: os nativos, os internos, os flutuantes, os liquidáveis e, principalmente, os agentes duplos. O drama do agente duplo é que ele não pode errar; se ficar do lado que perdeu, estará no sal. Quem faz jogo duplo na política fica mais ou menos na mesma situação do agente duplo. Tem que acabar a guerra do lado que vai ganhar.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acuado pela Operação Lava-Jato, está se movimentando como quem faz jogo duplo em relação ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Fez um acordo salomônico com os líderes de oposição ao esclarecer em plenário como deve ser a tramitação do processo de impeachment, ao mesmo tempo em que anunciou sua intenção de rejeitar o pedido encabeçado pelo ex-deputado Hélio Bicudo, um dos 13 que pretende despachar.

Poderia mantê-los na gaveta, como fez o ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo (PCdoB-SP) na crise do mensalão, com a ajuda discreta da oposição, que preferira ver o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sangrar, certa de que o petista não conseguiria se reeleger. Não, Cunha optou por anunciar que vai examinar cada pedido e rejeitá-los por improcedência.

Onde está o jogo duplo? No fato de que, ao rejeitar os pedidos, cria condições regimentais para que a oposição recorra o plenário e exija sua apreciação. Neste caso, bastariam o apoio de 257 deputados para que o processo de impeachment de Dilma Rousseff seja iniciado, por decisão de maioria dos presentes. Ponto para a oposição, que se gaba de já ter 280 votos favoráveis ao afastamento da presidente da República.

Cargos por votos

Num acordo com lideranças do Congresso, Cunha havia anunciado que poderia dar seu parecer nesta semana. Outro ponto para a oposição? Depende do sucesso da reforma ministerial. Na conversa com o ex-presidente Lula, o presidente da Câmara afastou do plenário da Casa o “Fora Cunha”, que havia sido ensaiado pela bancada petista em razão da Operação Lava Jato. Fez com ele um acordo de procedimento em relação ao impeachment: esperar a reforma ministerial para votar o recurso da oposição. Se o governo conseguir votos suficientes para derrotá-lo, o impeachment será abatido na pista, antes de levantar voo.

É por isso que a negociação da presidente Dilma Rousseff com o PMDB não está nem aí para o ajuste fiscal. O que conta mesmo é a garantia de votos para barrar a abertura do processo. Começou com a oferta de quatro ministérios – Agricultura, Minas e Energia, Infraestrutura e Saúde – e já está em sete, com a manutenção dos ministérios dos Portos e Aviação Civil, que deixariam de ser fundidos ao dos Transportes, e mais os da Pesca e do Turismo.

Na complexa equação do impeachment, seria mais fácil para o governo garantir 257 votos em plenário na próxima semana, antes que a situação da economia se agrave e o esgarçamento social aumente, do que apenas 170 votos para barrar a aceitação do pedido, que implicaria no imediato afastamento de Dilma, por causa dos protestos de rua que o processo provocaria.

Como o julgamento final ficaria a cargo do Senado, com Temer no exercício interino da Presidência, até os petistas avaliam que a abertura do processo seria um catalisador político. As manifestações de rua, que desaguariam na Praça dos Três Poderes como uma grande bola de neve, mudaria radicalmente a correlação de forças no Congresso.

Diante desse cenário, a melhor opção para o Palácio do Planalto é entregar os ministérios aos aliados, principalmente o PMDB, e salvar a Presidência, como disse o ex-presidente Lula aos petistas que reclamavam da perda do Ministério da Saúde na semana passada. E avançar na estratégia de precipitar o confronto com a oposição, antes que as ruas se mobilizem.

Mas todo plano tem fricção, não acontece como foi concebido. Cunha conseguiu amansar o PT e agradar à oposição, mas não está livre da Operação Lava-Jato. A cada semana, surgem novas denúncias contra o presidente da Câmara, que começam a complicar sua situação como investigado. Caso se torne réu na Operação Lava-Jato, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), dificilmente evitará a volta do “Fora Cunha”.

Em razão da votação do impeachment, Cunha corre o risco de ser tratado como inimigo pelo governo ou traidor pela oposição. É dura a vida de quem faz jogo duplo.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

A ficha ainda não caiu

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 29/10/2015 

Dilma admitiu que as medidas adotadas anteriormente para conter a crise se esgotaram, mas voltou a afirmar que o ajuste fiscal será suficiente para retomar o crescimento
 

 A presidente Dilma Rousseff ainda não se convenceu de que o Brasil tem problemas estruturais na economia. Foi o que deixou claro ontem, ao discursar na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), perante os líderes mundiais, em que pesem a maior recessão dos últimos 25 anos, a marca de um milhão de trabalhadores demitidos, o dólar acima dos R$ 4 e uma dívida pública que cresce astronomicamente e já chegou a R$ 2,68 trilhões.

Em 20 minutos de discurso, disse que a economia brasileira é “mais forte e sólida” do que em anos anteriores: “A lenta recuperação da economia mundial e o fim do superciclo das commodities incidiram negativamente sobre nosso crescimento. A desvalorização cambial e as pressões recessivas produziram inflação e forte queda da arrecadação, levando a restrições nas contas públicas. O Brasil, no entanto, não tem problemas estruturais graves, nossos problemas são conjunturais e, diante desta situação, estamos reequilibrando o Orçamento e assumimos uma forte redução de nossas despesas, gastos de custeio e parte do investimento”.

Dilma admitiu que as medidas adotadas anteriormente para conter a crise se esgotaram, mas voltou a afirmar que o ajuste fiscal será suficiente para retomar o crescimento: “Propusemos cortes drásticos de despesas e redefinimos nossas receitas. Essas iniciativas visam a reorganizar o quadro fiscal, reduzir a inflação, consolidar a estabilidade macroeconômica e garantir a retomada do crescimento com distribuição de renda.” Em nenhum momento a presidente da República admitiu a necessidade de reformas para a economia voltar a crescer. Essa é uma palavra que não existe no seu dicionário.

Na verdade, a presidente da República lançou o país num impasse: quer que o Congresso aumente impostos para bancar os gastos do governo, cujo orçamento cresce mais do que o Produto Interno Bruto (PIB); ocorre que a sociedade não suporta mais a carga tributária, o que gera um ambiente contrário no parlamento. É um empate, que gera um circulo vicioso. O risco Brasil eleva o dólar, que aumenta a inflação, que eleva os juros, que aumenta a dívida pública, que inibe o crescimento, que reduz a inflação e joga a arrecadação pra baixo.

O Brasil não é a China, que tem mais de US$ 3,5 trilhões de reservas e pode queimar mais de US$ 400 bilhões no câmbio; está mais para Rússia, cujas reservas caíram de US$ 500 bilhões para US$ 300 bilhões e, mesmo assim, não conseguiu segurar o câmbio. Com US$ 370 bilhões em reservas, o Banco Central (BC) não tem cacife para bancar o jogo pesado com os especuladores, se nada for feito para efetivamente reduzir os gastos do governo. Dilma acredita que pode bancar esse jogo, como deu a entender seu discurso na ONU, mas o mercado pensa diferente. E os indicadores não mentem.

Oposição petista

 
Quem também pensa diferente, mas com sinal trocado, são os economistas do PT, ligados à Fundação Perseu Abramo, que ontem divulgou documento com duras críticas à política econômica. O documento “Por Um Brasil Justo e Democrático”, não poupa críticas ao ajuste fiscal proposto pelo governo e acusa Dilma de ser prisioneira dos banqueiros, numa alusão ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que o PT pretende derrubar na reforma ministerial.

A fundação é presidida por Marcio Pochmann, que comandou o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) até 2012. Embora não seja endossado pelo PT publicamente, o texto reflete a opinião da maioria dos dirigentes do partido: “A lógica que preside a condução do ajuste é a defesa dos interesses dos grandes bancos e fundos de investimento. Eles querem capturar o Estado e submetê-lo a seu estrito controle, privatizar bens públicos, apropriar-se da receita pública, baratear o custo da força de trabalho e fazer regredir o sistema de proteção social.”

No Congresso, este é o discurso dos parlamentares petistas; nos movimentos sociais, mais ainda. “O ajuste fiscal em curso está jogando o país numa recessão, promove a deterioração das contas públicas e a redução da capacidade de atuação do Estado em prol do desenvolvimento. Mais grave é a regressão no emprego, nos salários,  no poder aquisitivo e nas políticas sociais”, sintetiza o documento.

Amanhã haverá uma reunião em Brasília do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com os parlamentares petistas para discutir a reforma ministerial. A prioridade da reestruturação do governo não é a aprovação do ajuste fiscal e a gestão da crise, é barrar a possibilidade de abertura de um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Ocorre que a permanência de Dilma no cargo depende muito mais da estabilização da economia. Aparentemente, porém, essa é uma falsa contradição. Lula quer antecipar a votação do pedido de impeachment pela Câmara e derrotar a oposição, antes que a crise se agrave ainda mais no plano social e o PMDB possa dar o bote.

domingo, 27 de setembro de 2015

Ideias liberais

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 27/09/2015

A crise ética, política e econômica, porém, fomenta o ressurgimento das ideais liberais como reação da sociedade. Há um cansaço em relação à tutela do Estado

Uma das consequências intangíveis da morte de Tancredo Neves (PMDB), digamos assim, talvez tenha sido fato de o país não ter passado por uma experiência de governo liberal. A derrota da ditadura militar foi protagonizada por uma ampla frente política hegemonizada por políticos liberais, sob a liderança de Ulysses Guimarães, mas não resultou em sua chegada ao poder por uma fatalidade.

O governo de José Sarney, o vice que assumiu, premido por uma Constituinte democrata radical, pela retirada em ordem dos militares e pela hiperinflação, não pode ser caracterizado como um governo liberal, embora tenha o mérito de ter conduzido a transição à democracia.

Grosso modo, diametralmente opostos, os governos de Collor de Mello, neoliberal, e Itamar Franco, nacional-desenvolvimentista, também fugiram do perfil liberal. O mesmo ocorreu com os governos de Fernando Henrique Cardoso, de caráter social-liberal, e de Lula, protagonista de um neopopulismo que derivou na roubalheira revelada pela Operação Lava-Jato.

O castilhismo

O “castilhismo” de Dilma é um ponto fora da curva, mas serve de referência para o debate sobre as dificuldades de tradução das ideias liberais e, de um modo geral, das políticas clássicas no Brasil. Todas as ideias que chegam por aqui, de alguma forma, são mitigadas pelas características ibéricas de elites, como o velho patrimonialismo, que está vivíssimo, e também do povo, que ressuscita o “sebastianismo” cada vez que aparece um salvador da pátria.

O melhor exemplo de “tradução” perversa das ideais liberais no Brasil talvez seja a Constituição de 1824, de autoria de dom Pedro I, que institucionalizou a monarquia após a Independência — num contraponto aos Estados Unidos — e introduziu, como cláusula pétrea, o direito à propriedade privada na legislação brasileira. Com isso, a nascente aristocracia brasileira garantiu segurança jurídica ao regime escravocrata, que sofria forte oposição da Inglaterra, sustentando-o até 1888.

Após a abolição, a monarquia ruiu. Mesmo com a proclamação da República, no ano seguinte, a revolução burguesa no Brasil só veio a se completar mais de cem anos depois da Independência, com a Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder. Sua vitória, porém, foi também uma nova derrota das ideais liberais pelo “castilhismo” gaúcho. Desde então, nenhum partido político conseguiu representar de forma robusta as ideais liberais no Brasil.

O “castilhismo” é uma vertente do positivismo cujo principal ideólogo foi o político gaúcho Júlio de Castilhos. Substitui a ideia liberal do equilíbrio entre as diferentes ordens de interesse, como elemento fundamental da organização da sociedade, pela ideia de moralização dos indivíduos através da tutela do Estado. Para os castilhistas, a falência da sociedade liberal decorreria das transações empíricas, fruto da procura de interesses materiais.

O slogan “pátria educadora” é uma tradução perfeita dessa concepção de tutela do Estado sobre a sociedade. Do ponto de vista prático, no governo Dilma, essa concepção gerou incrível sucessão de intervenções desastrosas nas atividades econômicas do país. O resultado é a desorganização da economia.

A retórica das “virtudes republicanas”, usada e abusada na gestão petista, acabou desmascarada pela Operação Lava-Jato. Revelou-se, por trás da atuação do PT e seus aliados, “sórdidos interesses materiais” que supostamente o governo petista pretendera combater. A “faxina” ensaiada por Dilma no começo do primeiro mandato, na verdade, está sendo feita pelo “poder moderador” da Justiça Federal, o que nada mais é do que a afirmação do velho princípio liberal do equilíbrio entre os poderes.

A crise ética, política e econômica, porém, fomenta o ressurgimento das ideais liberais como reação da sociedade. Há um cansaço em relação à tutela do Estado, ao intervencionismo na economia, à cobrança exagerada de impostos, ao excesso de regulação cartorial, aos achaques, à corrupção e aos serviços públicos ineficientes. Isso se reflete com muita força nas redes sociais e nos protestos de rua contra o governo. A expansão do mercado interno via consumo, do empreendedorismo e das atividades de serviços, que agora se retraem, ampliou a base social do liberalismo individual, como ideologia e concepção política. Mas não há um partido que o represente.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Cunha no impeachment

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 24/09/2015

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), combinou com os líderes da oposição o passo a passo da apreciação dos pedidos de impeachment da presidente Dilma Rousseff
 
É falsa a ideia de que o PMDB queira deixar o governo Dilma Rousseff, embora haja muitas vozes na legenda favorável ao rompimento. O que a cúpula do PMDB deseja mesmo é mandar no governo, como ficou claro nos bastidores sobre a reforma ministerial que a presidente da República pretende concluir ainda hoje, antes de embarcar para os Estados Unidos, na qual serão entregues cinco ou seis ministérios ao PMDB.

Essa linha de atuação, porém, não anula as articulações da oposição a favor do impeachment da presidente Dilma, que o PMDB poderá apoiar caso Dilma, mesmo com a reforma, não seja capaz de conduzir o país a um porto seguro. A reforma ministerial não afastará definitivamente essa hipótese. No mesmo dia do acordo com as bancadas de deputados e senadores, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), combinou com os líderes da oposição o passo a passo da apreciação dos pedidos de impeachment.

A indicação do ministro da Saúde pela bancada do PMDB não passou por um acordo com o presidente da Câmara, foi resultado da cooptação do líder Leonardo Picciani (PMDB-RJ), ou seja, da entrega do Ministério da Saúde ao grupo que controla a legenda no Rio de Janeiro: o governador Luiz Fernando Pezão, o presidente da Assembleia Legislativa fluminense, Jorge Picciani, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, e o ex-governador Sérgio Cabral.

Acertos regionais

O futuro Ministério da Infraestrutura (que juntará aeroportos e portos) não pacifica completamente o PMDB, pois desloca Eliseu Padilha (RS), nome ligado ao vice-presidente Michel Temer, que se desgastou na bancada porque articulava a favor do governo.

A lista de nomes encaminhados pela bancada mostra os interesse regionais: José Prianti Junior (PMDB-PA), Celso Pansera (PMDB-RJ), Newton Cardoso Junior (PMDB-MG), Mauro Lopes (PMDB-MG), Manoel Junior (PMDB-PB), Marcelo Castro (PMDB-PI) e Saraiva Felipe (PMDB-MG). Os preferidos de Dilma são Manoel Junior (PB), para a Saúde, e José Priante Junior (PA), para a Infraestrutura.

No Senado, a bancada não pretende mexer com os ministros de Minas e Energia, Eduardo Braga AM), e da Agricultura, Kátia Abreu (TO), mas há um estresse com o senador Jader Barbalho (PA), cujo filho, Helder Barbalho (PA), era o Ministro da Pesca. O ex-presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves (RN), ministro do Turismo, ontem estava pendurado no pincel, o que deixou insatisfeito o senador Garibaldi Alves (RN).

A reforma ministerial, porém, cria condições mais favoráveis para lidar com duas variáveis que impulsionam o impeachment. Uma é a crise econômica, que não dá sinais de arrefecimento (o dólar continua disparado) em razão das limitações do ajuste fiscal proposto pelo governo. É uma missão quase impossível aprovar a recriação da CPMF no Congresso, mesmo com a reforma.

A outra variável é a Operação Lava Jato, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) começa a circunscrevê-la ao escândalo da Petrobras, com a decisão de desmembrar as investigações sobre a senadora Gleise Hoffman (PT-PR), ex-ministra da Casa Civil de Dilma, apartando o caso dos demais. Ao remeter a investigação sobre o ex-vereador de Americana Alexandre Romano (PT) para a Justiça Federal em São Paulo, o STF também limitou a atuação do juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, que comanda a Lava Jato.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A crise não viaja com Dilma

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 23/09/2015 
 
A prioridade da presidente da República não é melhorar o desempenho do governo, é assegurar votos suficientes para barrar qualquer tentativa de impeachment.


A presidente Dilma Rousseff viajará para os Estados Unidos na próxima quinta-feira, onde participará da Assembleia-geral da ONU na segunda-feira, mas a crise não viajará com ela – ao contrário do que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) costumava dizer, provocativamente, em relação ao então presidente José Sarney (PMDB) quando ele deixava o país em missão de estado.

A crise continuará instalada aqui, quando nada porque o dólar está completamente fora de controle. Ontem, ultrapassou a máxima histórica de R$ 4, depois de mais uma tentativa frustrada do Banco Central (BC) no sentido de conter a alta, na qual torrou R$ 3 bilhões na segunda-feira.

A cotação do fechamento de ontem foi a mais alta já registrada desde a criação do real. Superou a de 10 de outubro de 2002, quando o dólar chegou a ser vendido a R$ 4 durante o pregão, mas fechou a R$ 3,98. A alta reflete as preocupações do mercado com a aprovação do ajuste fiscal pelo Congresso. E também o temor de que o Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, eleve os juros este ano.

Em 2002, a moeda norte-americana foi impulsionada pelas perspectivas de que o então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seria eleito, algo que não agradava o mercado financeiro. Mas o petista lançou a “Carta aos Brasileiros” e acalmou o mercado, ao adotar o tripé superavit fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante, que foi abandonado por Dilma.

Hoje a presidente da República deve anunciar o acordo com os líderes do PMDB no Senado, Eunício de Oliveira (CE), e na Câmara, Jorge Picciani (RJ), para indicação de cinco ministros. Os senadores indicariam dois nomes e os deputados, outros dois. O quinto ministro seria escolhido de comum acordo entre as bancadas. A troca do ministro da Saúde, Arthur Chioro, ex-secretário de Saúde de São Bernardo, pelo deputado Marcelo castro (PMDB-PI) ou Manoel Junior (PMDB-PB), dá bem uma ideia da fragilidade do toma lá da cá para garantir o apoio da legenda.

A Saúde era uma das joias da coroa petista. A prioridade da presidente da República não é melhorar o desempenho do governo, é assegurar votos suficientes para barrar qualquer tentativa de impeachment. Repete a mesma tentativa do ex-presidente Collor de Melo, que em março de 1992 fez uma reforma ministerial. Chegou a reunir em seu governo nomes importantes da política nacional, mas não conseguiu manter-se no poder. A reforma de Dilma pode ser ainda mais chinfrim.

Assombrações
Dilma não tem apoio formal do vice-presidente Michel Temer e dos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mas negocia com eles nos bastidores. É um sinal de que o arranjo parlamentar que está tecendo é muito vulnerável. Além disso, quanto mais reza o catecismo do fisiologismo e do patrimonialismo, mais assombrações aparecem.

A Executiva do PSB reuniu governadores, deputados e senadores ontem para discutir o que fazer em relação ao governo. O partido vinha mantendo uma posição de independência, sem fazer oposição aberta. Decidiu, porém, negar apoio ao ajuste fiscal, votar contra a recriação da CPMF e, se for o caso de entrar em pauta no Congresso, apoiar o impeachment da presidente Dilma.

A passagem do PSB à oposição é uma derrota dos esforços do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no sentido de reagrupar seus velhos aliados em defesa de Dilma Rousseff. Essa frente está cada vez mais difícil de ser articulada. Seria a alternativa para a legenda nadar contra a maré nas eleições de 2016 e chegar com chances de vitória em 2018, evitando uma debandada de prefeitos e parlamentares, que já começou.

Enquanto Dilma viaja, a Operação Lava-Jato passa o rodo. Ontem, o ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello aceitou o pedido de investigações do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sobre o suposto recebimento de propina pelo ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e pelo senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), o que ambos negam. O petista e o tucano alegam que receberam doações eleitorais de caráter legal.

Noutra frente, o ex-deputado André Vargas (SC), que foi vice-presidente da Câmara e ganhou notoriedade ao posar de punho fechado ao lado do então presidente do STF Joaquim Barbosa, foi condenado a 14 anos de prisão pelo juiz federal Sergio Moro, de Curitiba. Mas a novidade foi a “delação premiada” do lobista Fernando de Moura, amigo do ex-ministro José Dirceu. Ele sabe demais sobre o envolvimento de petistas com o escândalo da Petrobras.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Terceiro tempo

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 22/09/2015

Convidado a opinar sobre a reforma ministerial, em conversa com a presidente da República, o vice-presidente Michel Temer declinou. Foi uma espécie de “me inclua fora dessa”


 De tanto falar em terceiro turno das eleições, o governo Dilma Rousseff entrou numa espécie de terceiro tempo, difícil ainda de definir qual será o seu desfecho. Como estamos falando do tempo relativo, digamos que será uma interseção entre o tempo curto da crise política e o tempo longo da crise econômica. Para não complicar mais as coisas, vamos por partes.

Com a configuração anunciada pela presidente Dilma Rousseff ao tomar posse, o governo jaz em plena Praça dos Três Poderes. Está morto e prestes a ser enterrado. Era para durar quatro anos e não sobreviveu nove meses. Sua morte cerebral já foi anunciada e a reforma administrativa que Dilma pretende anunciar, com a redução de dez ministérios, será o funeral.

O problema é a montagem do novo governo. Se formos considerar as dificuldades que teve para escolher os atuais 39 ministros, não está nada fácil. O atual resultou num governo fracassado mais pelas trapalhadas da própria presidente da República, como diria o ex-amigo e ex-ministro Delfim Netto, do que pela competência da maioria de seus integrantes, com as devidas exceções.

Na montagem da equipe atual, muita gente refugou os convites. É o caso do Ministério da Fazenda, por exemplo, que caiu no colo de Joaquim Levy, porque nenhum dos demais cogitados aceitou a tarefa. O resultado está aí: o ministro é a Dilma Rousseff, que estimula a disputa entre o titular da pasta e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, para arbitrar o “caminho do meio”. Reina solitária entre dois insatisfeitos.

Cresce a pressão do PT para substituir Levy na reforma ministerial. Ontem, o conselho político da legenda, com a participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recomendou à Dilma um cavalo de pau na economia, com redução forçada dos juros, taxação das grandes fortunas e aumento de impostos para manter a chamada “política anticíclica”. O PT quer a cabeça de Levy e pôr Barbosa na Fazenda.

Esse é um dos impasses, na economia. Há outros na política. Convidado a opinar sobre a reforma, em conversa com a presidente da República, o vice-presidente Michel Temer declinou. Foi uma espécie de “me inclua fora dessa”. Dilma cometeu o erro de atropelar Temer, numa negociação direta com o jovem e ambicioso líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani, e com o presidente do Senado, Renan Calheiros.

A legenda deve perder três dos seis ministérios, de um total de 29, se considerarmos que dez das atuais pastas serão extintas ou fundidas. É muito pouco para um partido que está com a faca e o queijo na mão quanto ao impeachment da própria presidente das República. Em contrapartida, o PT está mais dono do Palácio do Planalto do que nunca.

Dilma vem repetindo que não abre mão de Aloizio Mercadante na Casa Civil, mas resolveu reforçar o papel político da secretaria-geral da Presidência, com Ricardo Berzoini — ex-líder sindical, vai cuidar dos movimentos sociais e da interlocução com Lula —, e Giles Azevedo, seu cão de guarda no gabinete, na Articulação Política, coadjuvado pelo ministro da Comunicação Social, Edinho Silva. Não tem a menor chance de dar certo.

Por essas e outras, o terceiro tempo pode ser curtíssimo. Mas vamos ao tempo longo: a crise econômica. Não há a menor chance de revertê-la no curto prazo, uma vez que o ajuste fiscal é uma espécie de “mais do mesmo” com sinal trocado. Explico: aposta-se no aumento de receita em vez do corte efetivo de gastos. Certas medidas apresentadas como redução de despesas são apenas mudanças de fonte de financiamento (Sistema S, Minha casa, Minha Vida, emendas parlamentares). O gasto ficou do mesmo tamanho.

Num orçamento de mais de R$ 1 trilhão, o governo diz que não consegue cortar mais de R$ 26 bilhões, mesmo assim maquiados. A redução efetiva de despesas é de apenas R$ 2 bilhões no custeio administrativo (R$ 1,6 bilhão com a renegociação de contratos de aluguel, manutenção, segurança, veículos e outros itens; R$ 200 milhões com menores limites para gastos com diárias, passagens, auxílio moradia e telefone e R$ 200 milhões com a redução de Ministérios e cargos de confiança).

As demais reduções são meros adiamentos de despesas (salários e concursos). O setor público registrou um déficit primário de 0,6% do PIB no ano passado; novo déficit será registrado neste ano. A arrecadação de agosto foi a pior para o mês desde 2010. No acumulado dos oito meses deste ano, a queda da receita foi de 3,68%, em relação à igual período de 2014. Déficits primários continuados, elevação da taxa de juros para controlar a inflação e dívida pública em forte expansão fazem com que a crise se agrave. Nesse aspecto, pode se tornar longuíssima. Será que a Dilma aguenta?

domingo, 20 de setembro de 2015

Escrúpulos de consciência

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 20/09/2015

As investigações da Operação Lava-Jato desnudam uma crise ética que coloca em xeque o próprio governo Dilma Rousseff. Revelou-se o esgotamento de um modelo de financiamento dos partidos

Políticos profissionais, em sua maioria, são pragmáticos ao extremo e não estão entre os seres mais escrupulosos. Em O Príncipe, Nicolau Maquiavel dizia que a legitimação do poder, fundamental para a conquista e a preservação do Estado, depende muito desse pragmatismo e da falta de escrúpulos: “Quando um príncipe deixa tudo por conta da sorte, ele se arruína logo que ela muda. Feliz é o príncipe que ajusta seu modo de proceder aos tempos, e é infeliz aquele cujo proceder não se ajusta aos tempos.”

Na construção do Estado moderno, a forma como a “virtú” foi colocada em prática em nome do governo passou ao largo de valores cristãos e da moral. “Não cabe nesta imagem a ideia da virtude cristã que prega uma bondade angelical alcançada pela libertação das tentações terrenas, sempre à espera de recompensas no céu. Ao contrário, o poder, a honra e a glória, típicas tentações mundanas, são bens perseguidos e valorizados. O homem de virtú pode consegui-los e por eles luta.”

Escrúpulos de consciência costumam ser deixados de lado quando o que está em jogo é a preservação do poder. “Um príncipe não deve, portanto, importar-se por ser considerado cruel se isso for necessário para manter os seus súditos unidos e com fé. Com raras exceções, um príncipe tido como cruel é mais piedoso do que os que por muita clemência deixam acontecer desordens que podem resultar em assassinatos e rapinagem, porque essas consequências prejudicam todo um povo, ao passo que as execuções que provêm desse príncipe ofendem apenas alguns indivíduos.”

Daí surgiu a interpretação de que os fins justificam os meios, que às vezes parece ser uma regra de ouro dos políticos, somente confrontada pelo fato de que, numa sociedade democrática, a “ética das convicções” – que leva os políticos a não medirem esforços para alcançar seus objetivos – deve ser contida pela “ética da responsabilidade”. Nesse sentido, na interpretação de Max Weber, um dos pais da sociologia moderna, caberia à burocracia assegurar a legitimidade dos meios aos quais recorrem os políticos.

A História do Brasil coleciona exemplos dessa prática. “Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”, disse o então ministro do Trabalho e da Previdência Social, Jarbas Passarinho, durante a reunião ministerial que decidiu editar o AI-5, em 1968, durante o governo Costa e Silva. A frase foi modificada na ata sem prejuízo de sentido (as “favas” foram trocadas pela conjugação verbal “ignoro”). Desnecessário tecer mais detalhes sobre as consequências da decisão, que assinalou o endurecimento do regime militar, que durou até 1985.

O caso do mensalão e, agora, o escândalo da Petrobras, num contexto histórico completamente diferente – perseguidos com base no AI-5 é que estão no governo –, são também uma demonstração de que os escrúpulos de consciência foram deixados de lado no exercício do poder. O esquema montado na petroleira estatal para financiar campanhas eleitorais do PT, PMDB e PP, segundo o Ministério Público Federal, não tem precedentes: dezenas de políticos estão sendo investigados, executivos e donos de empreiteiras, e altos funcionários da empresa foram presos e estão sendo condenados. O projeto de perpetuação no poder derivou para a grande roubalheira.

Os reflexos do escândalo estão em toda parte. As investigações da Operação Lava-Jato desnudam uma crise ética que coloca em xeque o próprio governo Dilma Rousseff. Do ponto de vista institucional, revelou o esgotamento de um modelo de financiamento da grande política nacional e dos seus principais partidos. O Supremo Tribunal Federal (STF) de quinta-feira passada, por 8 votos a 3, que declarou inconstitucionais normas que permitem a empresas doar para campanhas eleitorais. A decisão do STF não proíbe que pessoas físicas doem às campanhas. Pela lei, cada indivíduo pode contribuir com até 10% de seu rendimento no anterior ao pleito, o que não está regulamentado e beneficia quem já está no poder.

Mas voltemos aos escrúpulos de consciência. Parece que a presidente Dilma Rousseff também está mandando-os às favas no ajuste fiscal. Depois de o governo defender uma lei que permita a entrada no país de recursos depositados ilegalmente no exterior – isto é, dinheiro acumulado ilicitamente, das mais diversas formas, como tráfico de drogas, contrabando e desvio de recursos públicos –, o Palácio do Planalto avalia aprovar uma lei legalizando o jogo do bicho, os bingos e a instalação de cassinos, como forma de aumentar a arrecadação. Ou seja, mais uma vez, os fins justificariam os meios

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Sob domínio do medo

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 17/092015

Dilma teme que a não aprovação do pacote fiscal que encaminhou ao Congresso para fechar o Orçamento de 2016 abra caminho para o impeachment, pois revelaria a sua incapacidade de governar 

A presidente Dilma Rousseff está assombrada com possibilidade de deixar o poder por uma via constitucional antes do término do seu mandato. Caiu a ficha de que o governo não pode tudo, embora seja sempre a forma mais concentrada de poder, e de que está realmente na corda bamba.

A proposta de impeachment deixou de ser apenas uma das bandeiras das ruas contra o governo, agitada nas redes sociais por movimentos de oposição descolados dos partidos, desde as gigantescas manifestações de 15 de março passado.

Agora é uma possibilidade real, em razão do agravamento da crise econômica e da desagregação de sua base política, uma vez que as forças de oposição e setores governistas já articulam o seu afastamento do cargo por decisão do Congresso.

Dilma acusou o golpe, literalmente. Em Presidente Prudente, no interior paulista, ao fazer a entrega de 2,3 mil moradias do programa Minha Casa, Minha Vida, disse que “qualquer forma de encurtar o caminho da rotatividade democrática é golpe”.

Mais cedo, em entrevista à Rádio Comercial, emissora local, passara recibo de que teme o processo de impeachment: “Qualquer forma de encurtar o caminho da rotatividade democrática é golpe, sim. É golpe! Principalmente, quando esse caminho é feito só de atalhos, de atalhos questionáveis”.

Dilma tem razão em ter medo de ser afastada do poder. Na gaveta do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, há mais de dez pedidos de abertura de processo de impeachment, além dos quatro que já foram rejeitados por ele.

Um deles, porém, assusta mais os governistas: é o pedido do jurista e ex-deputado Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT, que foi encampado pelos partidos de oposição. Bicudo, que está com 91 anos, se afastou do PT em meio ao escândalo do mensalão.

O impeachment

Na terça-feira, o plenário da Câmara virou um pandemônio porque os partidos de oposição apresentaram uma questão de ordem à mesa da Câmara pedindo esclarecimentos sobre a tramitação dos pedidos.

Assinada pelos líderes Carlos Sampaio (PSDB-SP), Mendonça Filho (DEM-PE), Arthur Oliveira Maia (SD-BA), Arnaldo Jordy (PPS-PA), André Moura (PSC-SE), Cristiane Brasil (PTB-RJ) e Bruno Araújo (PSDB-PE), a oposição fez uma série de perguntas sobre a tramitação do impeachment no Congresso.

Quer saber se a decisão sobre a abertura não deveria ficar com o plenário e quem pode recorrer contra a eventual rejeição do pedido, além de indagar se o presidente da República pode sofrer processo de impeachment por atos cometidos durante o mandato imediatamente anterior.

O regimento interno da Câmara não estipula prazo para Cunha dar uma resposta à questão. A estratégia da oposição é forçá-lo a indeferir o pedido de Hélio Bicudo e, depois, apresentar ao plenário um recurso contra a decisão.

Para que o recurso seja aprovado, bastará maioria simples dos votos dos deputados. Se isso acontecer, estará dado o pontapé inicial para a tramitação do processo de impeachment. Ou seja, bastariam 247 deputados a favor do impeachment para o processo deslanchar. São 513 no total.

A discussão exaltou os ânimos dos governistas e deixou Dilma Rousseff preocupada, daí os comentários de ontem: “Eu acredito que tenham ainda no Brasil, infelizmente, pessoas que não se conformam que nós sejamos uma democracia sólida, cujo fundamento maior é a legitimidade dada pelo voto popular”, disse ela.

Dilma teme que a não aprovação do pacote fiscal que encaminhou ao Congresso para fechar o Orçamento de 2016 abra caminho para o impeachment, pois revelaria a sua incapacidade de governar o país por falta de apoio político no Congresso. Sua base social já está perdida, inclusive no Nordeste, devido à desaprovação de seu governo.

Entre a cruz e a caldeirinha, Dilma aposta tudo na recriação da CPMF, que alavancaria a arrecadação federal para garantir seus programas sociais. Entretanto, a proposta não tem apoio suficiente no Congresso. A articulação com os governadores para pressionar a bancada governista não deu resultados até agora.

A outra opção de Dilma seria cortar investimentos e gastos sociais, principalmente os programas Minha Casa, Minha Vida e o Bolsa Família, que são compromissos de campanha. O segundo é a herança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teria um motivo para romper publicamente com o governo. Os dois programas são “imexíveis”.

Além de não conseguir apoio robusto para o pacote fiscal, nem do PT nem do PMDB, Dilma tem dificuldades para fazer a reforma administrativa, que deve reduzir o número de ministérios. Ontem, comentava-se que o ministro chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, deixaria o cargo na reforma ministerial. Seria uma exigência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de setores do PMDB que apoiam o governo.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Sem intermediários (ou agora vai)

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 16/09/2015

A estreia de Dilma como articuladora do governo no Congresso foi um banho de água fria. Ouviu de todos os líderes da própria base que as dificuldades para aprovar o ajuste fiscal serão grandes


A grande novidade política em relação ao pacote anunciado pelos ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, é a estreia da presidente Dilma Rousseff como articuladora política do Palácio do Planalto no Congresso. Sem o vice-presidente Michel Temer, que está em missão oficial à Rússia e à Polônia, e um novo ministro da Articulação Política, cargo em extinção, é disto que se trata: ou Dilma consegue negociar a aprovação do pacote ou seu governo, que virou suco, se evapora.

A estreia de Dilma como articuladora do governo no Congresso foi um banho de água fria. Ouviu de todos os líderes da própria base que as dificuldades para aprovar o ajuste fiscal serão muito grandes. Sugeriram que o governo mude o eixo do ajuste do aumento de impostos para o corte de despesas. O governo não tem credibilidade para impor mais sacrifícios à população sem um corte mais profundo de gastos.

O eixo da proposta do governo é a recriação da CPMF, sem a qual o pacote fracassa, mesmo com as demais medidas para aumentar receitas e os cortes de gastos. A recriação do antigo imposto do cheque representaria metade dos R$ 64,9 bilhões de recursos que o governo pretende obter com corte de gastos e aumento de impostos. Dilma ouviu dos próprios líderes governistas que será “difícil” aprovar a volta do imposto sobre movimentação financeira no Congresso. A propósito, foi no Senado que a antiga CPMF foi sepultada, durante o governo Lula, quando o petista ainda gozava de grande popularidade.

O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), resumiu a situação: “Quando o governo está bem, com base social forte e uma base parlamentar forte, é difícil aprovar uma medida como essa. Imagine num momento como esse, em que estamos passando por dificuldade. Essa dificuldade existe de fato”. A volta da CPMF exige uma mudança na Constituição. Para sua aprovação, em dois turnos, necessita do apoio de 49 senadores e 308 deputados.

Dobrou a meta

Dilma não conta com tanta gente na sua base de sustentação. Para reverter essa situação, já na segunda-feira à noite, depois do anúncio do pacote, Dilma reuniu-se com 17 governadores e iniciou uma negociação para aprovar um aumento de alíquota da nova CPMF ainda maior: de 0,38%, a fim de contemplar estados e municípios com a parcela da arrecadação que exceder 0,2%.

A proposta lembra um dos discursos mais non sense de Dilma, no final de julho, ao lançar o Pronatec Aprendiz, quando se enrolou e mandou esta: “Não vamos colocar meta. Vamos deixar a meta aberta, mas, quando atingirmos a meta, vamos dobrar a meta”. Teriam participado da reunião os governadores dos seguintes estados: Acre, Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Sergipe, Tocantins, Rondônia e Roraima.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), cujo filho governa Alagoas, foi generoso com Dilma, ao cobrar responsabilidade do Congresso em relação ao pacote. Mas não endossou diretamente a proposta de recriação da CPMF: “Os estados estão fazendo um esforço muito grande, melhoraram a eficiência do gasto. Mas os estados precisam ter soluções, e o Congresso Nacional tem responsabilidade com isso”, disse.

Renan cancelou uma viagem oficial à China por sugestão do senador Jader Barbalho (PMDB-PA), para que Dilma Rousseff não ficasse desamparada no Congresso, uma vez que Michel Temer e a maioria dos ministros do PMDB estão no exterior. A ministra da Agricultura, Kátia Abreu (PMDB-TO), que integrava a delegação de Temer, também cancelou a viagem por causa do pacote.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), porém, abriu as baterias contra a proposta: “A CPMF é insuportável”. Segundo ele, a recriação do imposto vai causar problema na economia: “Tem impacto não só na inflação, mas no conjunto de preços. Ela entra em toda cadeia produtiva simultaneamente, em cascata. Então, ela realmente é perniciosa”, disse.

No Palácio do Planalto, em entrevista coletiva, Dilma falou como quem terceirizou o ajuste fiscal: “O governo não aprova a CPMF, quem aprova é o Congresso”, disse. Esse é o problema. Governo nenhum aprova aumento de tributos sem muito empenho e uma base sólida no parlamento. Se fosse fácil, não se chamaria imposto.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Impostos demais, cortes de menos

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 15/09/2015

As chances de o ajuste fiscal se tornar um novo fiasco não são pequenas, pois ao Congresso caberia o trabalho sujo de aumentar os impostos, quando se sabe que eles já estão num patamar muito elevado

O resumo da ópera do ajuste fiscal anunciado ontem pelo governo, durante entrevistas dos ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, é o seguinte: o governo espera arrecadar R$ 28 bilhões com aumentos de novos impostos e a recriação da CPMF, e pretende cortar apenas R$ 26 bilhões de gastos. O problema é combinar com os beques, ou seja, o Congresso Nacional. A maioria das medidas propostas dependerá de medidas provisórias, que precisam ser aprovadas pelo Legislativo.

A reforma administrativa com redução de ministérios, que o governo promete e não faz, não entrou no pacote anunciado ontem. Durante dois dias, a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, discutiram as medidas com Levy e Barbosa. Os cortes de gastos empacaram nos programas sociais do governo e no Minha Casa Minha Vida, que a presidente da República pretende manter. O dinheiro do Fundo de Garantia do Tempo de serviço (FGTS) substituirá o Tesouro nos subsídios para as habitações de baixa renda.

As chances de o ajuste fiscal se tornar um novo fiasco não são pequenas, pois ao Congresso caberia o trabalho sujo de aumentar os impostos, quando se sabe que eles já estão num patamar muito elevado — 37% do Produto Interno Bruto (PIB) — e a arrecadação pode diminuir em vez de subir. Para muitos analistas, o aumento da carga tributária para um patamar mais elevado do que já está pode provocar mais recessão, o que frustraria as receitas estimadas com base no novo imposto.

Além de não mexer em programas sociais, como o Bolsa Família (programa que passa por um pente-fino), Dilma optou por adiar o aumento e não congelar os salários dos servidores federais (o reajuste será em agosto de 2016). A medida mais importante quanto aos gastos com o funcionalismo é a supressão do abono de 10% para 110 mil servidores que deveriam estar aposentados e continuam trabalhando. Mas tudo passará ainda pelo Congresso, onde o lobby das corporações é fortíssimo.

Nada garante o apoio das bancadas do PT e dos movimentos sociais ao pacote. Isso complica a adesão das bancadas do PMDB na Câmara e no Senado, refratárias a aumentos de impostos. Dilma pedirá apoio aos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), mas ambos relutam endossar as propostas para aumentar as receitas. Cunha disse que aplaudia a iniciativa do governo, mas criticou o pacote: “75% dos cortes são dependentes de terceiros. São pseudocortes. A parte do governo, os 25%, são sobre as despesas discricionárias. Não vejo um corte efetivo”.

Um ajuste que busca arrecadar mais impostos do que reduzir gastos está na contramão de tudo o que vem sendo discutido entre políticos e empresários sobre a crise. A ideia de que basta um encontro de contas entre receitas e despesas para tirar o país do sufoco não é robusta o suficiente para garantir o ajuste. A opinião pública considera o governo gastador e avalia negativamente o desempenho do Planalto. O Congresso sinaliza na mesma direção.

Recado

Em Moscou, o vice-presidente Michel Temer deu declarações de apoio à presidente Dilma Rousseff. Ao ser questionado por um jornalista sobre se Dilma está tendo uma “última chance” no governo, o peemedebista contestou essa avaliação: “A presidente está se recuperando cada vez mais e tenho certeza que terminará o mandato”, disse. Temer considerou os cortes um “bom passo”, mas nada disse sobre aumento de impostos.

As primeiras manifestações da oposição foram contra os aumentos de impostos. Já governistas, tanto do PT como do PCdoB, criticaram o caráter do ajuste. Parece conversa pra boi dormir. A maioria do Congresso pensa o contrário. De cada 10 parlamentares, sete consideram a relação com o governo péssima e desaprovam a maneira de Dilma governar.

É nesse ambiente que prosperam as articulações para abertura do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, cuja contenção estaria hoje muito mais fora do parlamento do que dentro, principalmente graças aos grandes grupos empresariais do país.

Esse apoio empresarial começa a ser fragilizado pelas vacilações e ziguezagues da presidente da República quanto ao ajuste. A repercussão inicial do pacote junto aos agentes econômicos ontem foi negativa. A maioria dos analistas criticou o aumento da carga tributária, principalmente a recriação da CPMF, o antigo imposto do cheque, que teria uma alíquota de 0,2.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Corrida contra o impeachment

Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 14/09/2015

Com o vice-presidente Michel Temer e os ministros do PMDB em viagem a Rússia e Polônia, a presidente Dima Rousseff prepara pacote fiscal para evitar a volatilizaçao do seu governo

A presidente Dilma Rousseff passou o fim de semana reunida com os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento) para fechar um pacote de medidas contra a crise focado no corte de despesas e investimentos do governo, que pretende anunciar ainda hoje. Ao mesmo tempo, tenta conter as articulações em curso na Câmara para aprovar a abertura de um pedido de impeachment apresentado pelo ex-deputado e jurista Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT, que os partidos de oposição pretendem pôr na pauta de votação.

No sábado, Dilma reuniu-se também com os ministros Kátia Abreu (Agricultura), do PMDB; George Hilton (Esporte), do PRB; Gilberto Occhi (Integração Nacional), do PP; Aldo Rebelo (Ciência e Tecnologia), do PCdoB; Antonio Carlos Rodrigues (Transportes), do PR; e os petistas Carlos Gabas (Previdência) e Ricardo Berzoini (Comunicações). Foram mobilizados para tentar segurar a base do governo na Câmara dos Deputados. O governo ameaça retaliar com exonerações de apadrinhados e corte de verbas destinadas aos estados e municípios os deputados de sua base que participam do movimento pró-impeachment.

Cada vez mais distante de Dilma Rousseff, o vice-presidente Michel Temer não participou da conversa. Embarcou na noite de sábado para uma missão oficial na Rússia e na Polônia, na qual é acompanhado pelos ministros do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro (PTB); da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Kátia Abreu PMDB); da Defesa, Jaques Wagner (PT); de Minas e Energia, Eduardo Braga (PMDB); do Turismo, Henrique Eduardo Alves (PMDB); da Pesca e Aquicultura, Hélder Barbalho (PMDB), e das secretarias dos Portos, Edinho Araújo (PMDB), e da Aviação Civil, Eliseu Padilha (PMDB). A volta da comitiva está prevista para o próximo fim de semana.

Com Temer e praticamente todos os ministros do PMDB fora do país, Dilma corre contra o tempo. Recebeu um ultimato dos grandes parceiros econômicos do governo logo após a perda do grau de investimento do Brasil concedido pela agência de risco Standard & Poor’s (S&P). Sem esse selo de bom pagador, Dilma precisa sinalizar para o mercado que a meta de superavit fiscal de 0,7% do produto Interno Bruto (PIB) em 2016 é pra valer, antes que outras agências de risco também rebaixem o Brasil. A boa vontade dos grandes grupos financeiros e industriais do país com Dilma também está perto do limite.

Rombo

Dilma precisa cobrir o rombo de R$ 30,5 bilhões na proposta Orçamentária de 2016, que enviou ao Congresso com esse deficit e foi uma das causas do rebaixamento do Brasil pela S&P. A ideia é que o volume dos cortes fique acima de R$ 20 bilhões. A equipe econômica pretende chegar a um valor ainda mais próximo dos R$ 30 bilhões de deficit, mas para isso o governo precisa apresentar os cortes, que também deverão atingir alguns programas sociais. Sem cortar na própria carne, não será possível o aumento ou criação de novos impostos com o beneplácito do Congresso.

Além das dificuldades para fazer o corte de gastos, sem os quais não há a menor possibilidade de fechar as contas, Dilma terá que enfrentar uma forte articulação da oposição com setores de sua própria base, principalmente na bancada do PMDB, para abertura de um processo de impeachment. Ontem, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, desmentiu que pretenda pôr o assunto em pauta nesta semana, mas os partidos de oposição —PSDB, DEM, SD, PPS e outros — se mobilizam para fazer um pedido formal de esclarecimento sobre a tramitação de 13 pedidos de impeachment que estão na gaveta do presidente da Câmara, entre os quais o de Hélio Bicudo.

Essa estratégia já foi usada pelo PT, em 1999, contra o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), depois que seu pedido de impeachment foi rejeitado pelo presidente da Câmara à época, Michel Temer (PMDB-SP). O assunto foi a plenário, mas os petistas perderam a votação. A diferença, agora, é que a oposição acredita ter 280 votos para aprovar o pedido. Caso o governo tente obstruir, seriam necessários apenas 257 dos 513 deputados em plenário para derrubar a rejeição por maioria simples. Como a proposta está em sintonia com os movimentos que pedem o impeachment de Dilma nas redes sociais, a oposição acredita que a iniciativa conte com grandes manifestações de apoio, tanto nas redes sociais como nas ruas.

domingo, 13 de setembro de 2015

O inferno astral

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo 
Correio Braziliense - 13/09/2015

 A Polícia Federal estaria em busca do chefe do “núcleo político” do esquema de corrupção na Petrobras, na mesma linha adotada na Ação Penal 470, o famoso “mensalão” 
 
 O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é registrado como nascido em 6 de outubro de 1945, mas festeja o aniversário em 27 de outubro, que seria a verdadeira data do seu nascimento, em Caetés, distrito de Garanhuns (PE). Muitos acreditam que o mês que antecede o aniversário é um momento de angústia, azar e depressão. Para os astrólogos, isso aconteceria porque simboliza o fim de um ciclo, o que sempre gera mudanças e instabilidade.

O aniversário seria o marco de um novo ciclo solar, pois é quando Sol passa pelo mesmo ponto do Zodíaco de quando nascemos. E o mês que o antecede teria relação com os sacrifícios, as doenças, os sofrimentos e a doação. Por isso mesmo, segundo os astrólogos, a probabilidade de nesta fase acontecerem fatalidades na vida de uma pessoa é grande. Não por acaso, a crendice popular atribui ao período uma fase de muito azar, o chamado inferno astral.

Pode ser que a certidão de nascimento de Lula seja mesmo um caô, mas isso significaria apenas que o inferno astral de Lula nem começou. Promete, porém, ser uma borrasca de fazer gente grande chorar. No dia 9 deste mês, a Polícia Federal pediu autorização ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki para a oitiva do ex-presidente da República. Os termos utilizados pelo delegado Josélio Azevedo, um dos responsáveis pelas investigações da Operação Lava-Jato, são pesados.

O delegado Azevedo investiga o que seria o núcleo político da Operação Lava-Jato. A identificação dos núcleos empresarial, financeiro e administrativo rendeu dezenas de prisões, 30 condenações e 5 absolvições. Alguns políticos sem mandato envolvidos no esquema já estão presos: os ex-deputados Pedro Correia (PP-PE), Luís Argolo (SD-BA), Aline Correia (PP-SP) e o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu.

Foram denunciados os senadores Fernando Collor (PTB-AL) e Benedito de Lyra (PP-AL) e os deputados Arthur Lyra (PP-AL), Aníbal Gomes (PMDB-CE) e Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara. Dezenas de políticos com mandato também estão sob investigação.

As maiores construtoras de Brasil são acusadas de pagar vantagens indevidas nos contratos celebrados com pelo menos três diretorias da Petrobras, a maior empresa nacional. PP, PMDB e PT, partidos da base do governo, de indicar para tais diretorias nomes previamente cooptados para possibilitar o funcionamento do esquema, em troca de vantagens indevidas.

O governo federal teria nomeado tais diretores e os mantido nos cargos por serem indicações de sua base aliada, ou seja, em troca de apoio político. Nove ex-ministros de Estado são investigados ou citados como beneficiados ou como participantes do esquema, que teria perdurado por cerca de 10 anos.

“Nesse cenário fático, faz-se necessário trazer aos autos as declarações do então mandatário maior da nação, Luiz Inácio Lula da Silva, a fim de que apresente a sua versão para os fatos investigados, que atingem o núcleo político-partidário de seu governo”, afirma Azevedo no ofício encaminhado ao STF.

Lula soube do pedido de oitiva em Buenos Aires, ao ser assediado por repórteres. “Comunicaram a vocês e não me comunicaram nada. É uma pena!”, disse, irritado. A notícia foi publicada em primeira mão pelo site da revista Época. A Polícia Federal também quer explicações dos ex-ministros Ideli Salvati (Relações Institucionais), Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) e Antônio Palocci (Casa Civil).

Serão ouvidos ainda os petistas José Sergio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras; José Eduardo de Barros Dutra, ex-presidente do PT; Rui Goethe da Costa Falcão, presidente do PT; e José de Fillipi Júnior, ex-tesoureiro de campanha de Lula e da presidente Dilma Rousseff.

Domínio do fato 

Nos bastidores do Congresso, o que se comenta é que a Polícia Federal estaria em busca do chefe do “núcleo político” do esquema de corrupção na Petrobras, na mesma linha adotada na Ação Penal 470, o famoso “mensalão”, que condenou o ex-ministro José Dirceu com base na teoria do “domínio do fato”.

Criada em 1939 por Hans Welsel e desenvolvida por Claus Roxin, em 1963, essa teoria considera autor e não mero partícipe a pessoa que, mesmo não tendo praticado diretamente a infração penal, decidiu e ordenou sua prática a subordinado seu, o qual foi efetivamente o agente que diretamente a praticou em obediência ao primeiro. Seu ato não se restringe a induzir ou instigar o agente infrator, pois havia relação de hierarquia e subordinação entre ambos, não de mera influência resistível.

Como desdobramento dessa teoria, se entende que uma pessoa que tenha autoridade direta e imediata a um agente, ou grupo de agentes que pratica ilicitude, em situação ou contexto que tem conhecimento, ou necessariamente deveria tê-lo, essa autoridade poderia ser responsabilizada pela infração do mesmo modo que os autores imediatos.

A tese é muito polêmica. Segundo os advogados criminalistas, colide com o princípio da “presunção da inocência”. O próprio Roxin pondera que a decisão de praticar o crime “precisa ser provada, não basta que haja indícios de que ela possa ter ocorrido”. Para a pessoa que ocupa o topo de uma organização tenha a corresponsabilidade pelos atos de seus subordinados, o mero “ter que saber”não basta. “No caso Fujimori (ex-presidente do Peru), por exemplo, foi importante ter provas.”

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Aposta no impeachment

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 10/09/2015

 A intenção dos oposicionistas na Câmara é endossar o pedido apresentado pelo jurista e ex-deputado Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT, que fundamentaria o afastamento da presidente da República

Líderes do PSDB, DEM, PPS, PSC e SDD pretendem lançar hoje, na Câmara dos Deputados, o Movimento Pró-Impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). “Nossa ideia é reforçar a mobilização da sociedade pela saída de Dilma e, com a pressão popular, agilizar o andamento dos processos de impeachment que tramitam na Câmara. O país não vai aguentar mais três anos de desgoverno e incompetência”, disse o líder do PPS, deputado federal Rubens Bueno (PR).

A intenção dos oposicionistas na Câmara é endossar o pedido de impeachment apresentado pelo jurista e ex-deputado Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT, que, na opinião do líder do DEM, deputado Mendonça Filho (PE), fundamentaria as razões para o afastamento da presidente da República. Pareceres de outros juristas, como Ives Gandra Martins, serão anexados ao pedido. O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), autorizou o líder tucano na Câmara, deputado Carlos Sampaio (SP), a endossar a proposta.

Para que seja proposto e admitido, o impeachment de um presidente da República, é preciso caracterizar a existência de crime de responsabilidade. Para a oposição, os crimes culposos de imperícia, omissão e negligência estão caracterizados na conduta de Dilma, tanto quando foi presidente do Conselho da Petrobras, quanto agora. como presidente da República.

A questão, porém, é polêmica. Para o jurista Miguel Reale Junior, consultor do PSDB e autor do pedido de impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, por exemplo, o impeachment não seria juridicamente viável porque os atos que poderiam justificá-lo ocorreram no mandato anterior. “Não existe vaso comunicante. Para se pedir o impeachment, a presidente precisaria ser suspeita de algum malfeito de janeiro até agora”, argumenta.

A presidente Dilma Rousseff, porém, corre o risco de ter as contas de 2014 rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União, o que abriria caminho para impeachment por crime de responsabilidade. Os problemas de Dilma não são apenas as chamadas “pedaladas fiscais”, que são atribuídas ao ex-secretário do Tesouro Arno Augustin, mas a edição de decretos que ampliaram ilegalmente os gastos do governo e quebraram país.

Falta combinar


Não há a menor possibilidade de o impeachment prosperar sem a adesão maciça da bancada do PMDB na Câmara. Se depender do líder da bancada, Leonardo Picciani, não haverá impeachment. Mas o mesmo não se pode dizer do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que tem a prerrogativa de pôr o pedido em pauta.

Acusado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de ter recebido US$ 5 milhões de propina desviada da Petrobras, Cunha nega a acusação. A presidente Dilma Rousseff tentou uma aproximação com o peemedebista, mas ninguém tira da cabeça do presidente da Câmara de que houve dedo do Palácio do Planalto para que fosse o primeiro da fila dos políticos envolvidos na Lava-Jato denunciados por Janot.

O rito do impeachment, segundo a Constituição, é rigoroso. A Câmara não tem o poder de cassar o mandato da presidente da República, apenas o de aceitar o pedido, o que exige o mínimo de 342 votos em plenário, de um total de 513. Mas isso implica no automático afastamento do cargo, cabendo ao Senado julgar a presidente da República e aprovar o impeachment. Nos cálculos da oposição, se Dilma for afastada pela Câmara e o vice-presidente Michel Temer assumir o poder interinamente, a petista não voltará.

O fato de Temer ter se distanciado de Dilma animou a oposição, mas isso não significa que ele tenha embarcado na aposta do impeachment ainda. O que a mantém no poder não é a força do PT, nem o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, são as regras do jogo e a preocupação dos grandes empresários do país com os riscos de uma crise institucional levar a economia de vez para o buraco. O problema é que Dilma cava a cada dia um abismo aos próprios pés. Ontem o buraco ficou mais fundo: o Brasil perdeu o selo de ‘bom pagador’ e passou a ter grau especulativo pela Standard & Poor’s, embora mantenha ainda o grau de investimento nas agências de risco Fitch e Moody’s.

Meia volta, volver!


O ministro da Defesa, Jaques Wagner, solicitou ontem a republicação do decreto que transfere responsabilidades dos antigos ministérios da Marinha, do Exército e da Aeronáutica para o Ministério da Defesa, com errata na qual preserva o poder dos comandantes das Forças Armadas quanto à gestão de pessoal, ou seja, promoções, transferências e passagens para a reserva. O decreto havia irritado os militares.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Cada macaco no seu galho

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 09/092015


Num momento de crise econômica, política e ética que fragiliza a presidente Dilma Rousseff, tudo o que o país não precisa é mexer com os brios dos militares. Eles estão quietos no seu canto

 O golpismo no Brasil é uma praga que dominou a política na República Velha e na Segunda República, sob forte influência do positivismo como ideologia e a presença constante dos militares. Resultou em duas ditaduras, a de Vargas (1930-1945) e o regime militar (1964-1985). Mesmo a Proclamação da República, em 1889, não foi obra dos liberais da época, que eram escravocratas em sua maioria, mas da jovem oficialidade rebelde que tirou o marechal Deodoro da Fonseca da cama, sob inspiração de Benjamin Constant, professor da Escola Militar e grande líder positivista do Brasil. O povo assistiu bestificado.

Do episódio dos 18 do Forte de 1922, que deu origem ao tenentismo, à bomba do Riocentro, em 1981, a insubordinação nas Forças Armadas foi constante. Destacaram-se a Coluna Prestes (1925-1927) e o levante comunista de 1935, à esquerda; a crise que levou Vargas ao suicídio (1954) e as tentativas de impedir a posse de Juscelino Kubitschek (1956) e, mais tarde, de João Goulart (1961), à direita — que fracassaram. Os golpes que depuseram Washington Luiz (1930); Getúlio Vargas (1945); e João Goulart (1964), que contaram com amplo apoio político e popular.

Em 1969, houve um golpe dentro do golpe: o presidente Costa e Silva teve uma isquemia cerebral, mas seu sucessor legal, o vice Pedro Aleixo, foi impedido de assumir o cargo por uma Junta Militar. Assumiu o poder o general Emílio Médici.

Coube ao presidente Ernesto Geisel acabar com a indisciplina. Para isso, precisou demitir o general Ednardo D’Ávila Mello, comandante do II Exército, após o assassinato do operário Manoel Fiel Filho (que se seguiu ao do jornalista Vladimir Herzog, no mesmo quartel sob sua jurisdição). E mandar pra casa o ministro do Exército, general Sílvio Frota, que o desafiara. O restabelecimento da hierarquia não se deve apenas às duas degolas. A disciplina voltou graças aos rígidos critérios para promoção da oficialidade, rodízios de comandos e prazos de permanência dos oficiais-generais na tropa, sem os quais seria impossível a retirada em ordem dos militares da política.

Mal-entendido


Na quinta-feira, os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica souberam pelo Diário Oficial que a presidente Dilma Rousseff havia assinado o Decreto nº 8.515, delegando ao ministro da Defesa a competência para assinar atos relativos ao pessoal militar, tais como a transferência para a reserva remunerada de oficiais superiores, intermediários e subalternos, reforma de oficiais da ativa e da reserva, promoção aos postos de oficiais superiores e até nomeação de capelães militares. Essa atribuição era dos comandantes militares, livre de ingerências partidárias.

O ministro da Defesa, Jaques Wagner, também foi surpreendido pela publicação, subscrita pelo comandante da Marinha, almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira, que ocupava o cargo de ministro interino da Defesa e nega ter assinado o documento. O ministro Aloizio Mercadante — filho de general — responsabiliza a secretaria-executiva do Ministério da Defesa, Eva Maria Chiavon, hoje mais poderosa do que muitos dos antigos marechais, pela publicação, que dormia há meses na gaveta da Casa Civil.

O ministro da Defesa, Jaques Wagner, estava na China quando o decreto foi publicado, mas desculpou-se com os comandantes militares, que estavam amuados e fora do palanque principal, somente no desfile de Sete de Setembro. Disse-lhes que publicará uma nova norma, subdelegando aquelas atribuições aos comandantes das forças. Segundo ele, o decreto apenas normatizou as prerrogativas do ministro da Defesa.

A trapalhada gerou inquietação entre os militares da ativa e da reserva. E pôs uma pulga atrás das orelhas dos comandantes militares. O Ministério da Defesa já foi “aparelhado” pelo PT, que ocupou os cargos estratégicos da pasta. O orçamento das Forças Armadas está sob controle de Eva Chiavon, que hoje é quem determina as licitações para compras e investimentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, além do fluxo de caixa, cada vez menor.

A criação de um “dispositivo militar” petista tem tanta chance de dar certo quanto o do general Assis Brasil, em 1964. O Brasil não é como a Venezuela, cujas Forças Armadas foram cooptadas pelo “bolivarianismo”. Num momento de crise econômica, política e ética que fragiliza a presidente Dilma Rousseff, tudo o que o país não precisa é mexer com os brios dos militares. Eles estão quietos no seu canto e não querem meter as mãos na cumbuca da crise do governo Dilma.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Parada para chamar de minha

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 08/09/2015

Não faltaram justificativas para o não comparecimento de ministros ao desfile, mas o principal motivo foi político: aparecer na foto ao lado de Dilma tira votos. Políticos não gostam disso

A presidente Dilma Rousseff reinou quase sozinha no Sete de Setembro, em Brasília. Abandonada pelos aliados, muitos dos quais ocupando cargos na Esplanada dos Ministérios, ela assistiu ao desfile cívico-militar cercada de eficiente esquema de segurança para evitar manifestações hostis ao alcance de sua vista.

Os protestos ocorreram longe da área restrita ao público, que foi cercada por um tapume de alumínio, à qual somente foi permitida a entrada de convidados. Destacaram-se no visual da Esplanada, mas longe do palanque oficial, o Pixuleco, o boneco inflável de Lula vestido de presidiário, e, agora, sua companhia, Pinóquia, a boneca de Dilma com nariz de mentirosa. Gozações à parte, o palanque oficial foi um retrato da situação de isolamento político e desagregação do governo Dilma.

O vice-presidente Michel Temer cumpriu impassível o ritual de receber Dilma após a presidente da República ter passado em revista às tropas da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, e ficou ao seu lado, com poucos sorrisos, e também do governador de Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg. Destacavam-se no palanque os ministros petistas, entre os quais dois sob investigação da Operação Lava-Jato: o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, sorridente, como se nada houvesse, e um discreto ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, porta-voz do Palácio do Planalto.

Os grandes ausentes foram os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), também investigados na Lava-Jato, e os ministros peemedebistas da Aviação Civil, Eliseu Padilha (PMDB-RS); de Minas e Energia, Eduardo Braga (PMDB-AM); da Agricultura, Kátia Abreu (PMDB-TO); do Turismo, Henrique Alves (PMDB-RN); e dos Portos, Edinho Araújo. Somente o ministro da Pesca, Helder Barbalho (PMDB-PA), prestigiou o evento.

O subgoverno

Não faltaram justificativas de ordem pessoal para o não comparecimento de ministros ao desfile, mas o principal motivo foi político: aparecer na foto ao lado de Dilma tira votos. Políticos não gostam disso, é da natureza da espécie. Até Luiz Inácio Lula da Silva tem evitado aparições públicas ao lado da sucessora. Mas não é somente o isolamento político que chama a atenção.

Há outros aspectos a serem considerados. A solidariedade entre a presidente e o grupo petista de suas relações, por exemplo. Embora o governo esteja isolado e desgastado, estão todos na mesma embarcação à matroca, do ministro da Defesa, Jaques Wagner, ao secretário de Direitos Humanos, Pepe Vargas, o articulador político a fracassar no segundo mandato.

Destacou-se no palanque esvaziado o ministro das Cidades, Gilberto Kassab (PSD), que tenta ocupar o vácuo deixado pelo agastamento do PMDB. Pragmático, fatura como pode o único projeto de Dilma Rousseff que sobrevive ao ajuste fiscal, assim mesmo aos trancos e barrancos: o Minha Casa, Minha Vida. Esse tem seu próprio bote salva-vidas.

Na verdade, os ministros aliados de Dilma formam uma espécie de subgoverno: tocam as pastas como se fossem autarquias, cuidando de suas relações políticas de maneira cada vez mais autônoma. Não é só a governabilidade que se esvai; a capacidade de governança de Dilma está cada vez mais restrita ao grupo palaciano. A equipe ministerial funciona por inércia de sua burocracia. Está virando paisagem num governo cada vez mais enfraquecido.

domingo, 6 de setembro de 2015

Uma vela pra Deus, outra pro diabo

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 06/09/2015

Dilma precisa buscar o superavit de 0,7% do Orçamento de 2016 previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias, que até hoje não foi aprovada pelo Congresso.  E promover um ajuste pra valer nos programas e subsídios do governo
 
Uma velha raposa do PMDB costuma dizer que erro na política não tem conserto, tem apenas compensação, o que nem sempre é possível no tempo desejado. Por isso mesmo, é preciso errar pouco e menos que os adversários — e nunca repetir os mesmos erros. O problema da presidente Dilma Rousseff é que erra muito, quase sempre não admite o erro e quando o faz, na maioria das vezes, não tem mais jeito.

Dispensa maiores comentários a sucessão de erros que levou o país à crise econômica que estamos vivendo, que vão da redução forçada dos juros às “pedaladas fiscais”, passando pela desorganização do setor elétrico, pelas trapalhadas na política de concessões de infraestrutura e pelos sacrifícios impostos à Petrobras ao segurar o aumento dos combustíveis. Deixemos de lado, por enquanto, a vista grossa diante dos escândalos investigados na Operação Lava-Jato.

Na semana passada, a presidente da República cometeu dois erros quase fatais: anunciou a recriação da CPMF, o antigo imposto do cheque, sem consultar os aliados políticos e os empresários amigos, e depois encaminhou ao Congresso uma proposta de Orçamento da União com um deficit de R$ 30,5 bilhões, mesmo assim, segundo os analistas, subestimado. O rombo poderia chegar aos R$ 60 bilhões.

Dilma acendeu uma vela para o diabo. Provocou um afastamento ainda maior do vice-presidente Michel Temer, que foi atropelado pela proposta de recriação do imposto quando se reunia com empresários e, de bate-pronto, anunciou que a medida não teria a menor chance de ser aprovada no Congresso. E, por muito pouco, também não ficou sem o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que fora derrotado pela “turma do Palácio” na discussão sobre o Orçamento.

A “turma do Palácio” é formada pelo ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante; pelo secretário-geral da Presidência, Miguel Rosseto; pelo “faz-tudo” de Dilma, Giles Azevedo, que cerraram fileiras em torno do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, o pai da proposta orçamentária no vermelho. Esse grupo fez tudo o que podia para isolar Levy e forçá-lo a se demitir. O problema é que houve forte reação do mercado, principalmente dos pesos pesados da economia que apoiam a presidente da República.

Dilma foi obrigada a acender uma vela para Deus. Benjamin Steinbruch, da Companhia Siderúrgica Nacional, falou com a presidente da República sobre a gravidade da situação e os riscos de perder Levy. O porta-voz do mercado financeiro foi o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, que depois esteve com Dilma e advertiu a presidente da República dos riscos que a economia estava correndo por causa da proposta de orçamento deficitário. O primeiro sintoma de que algo mais grave estava para acontecer foi a disparada do dólar.

Para ficar de bem com Deus, Dilma precisa buscar o superavit de 0,7% do Orçamento de 2016 previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias, que até hoje não foi aprovada pelo Congresso.  E promover um ajuste pra valer nos programas e subsídios do governo. Sem isso, o país não terá a menor chance de manter o grau de investimentos. Foi esse o teor da conversa de Dilma com Levy, cujas exigências foram aceitas para que permanecesse no governo.

Combinar com a base

 
Pode-se concluir que o pior já passou, mas não é o caso. A “turma do Palácio” não está só. O PT e seus aliados à esquerda, articulados aos movimentos sociais, querem a cabeça de Levy. Não concordam com o ajuste, já começam a mobilizar suas bases para se opor a ele. Apostam numa guinada populista de Dilma, que foi o que ela ensaiou na semana passada e voltou atrás. Ou seja, o ajuste está ainda por um fio.

Essa movimentação errática de Dilma na economia tem simetria com seus ziguezagues na política, onde a situação se complicou muito com a saída de Michel Temer da articulação política. O vice-presidente da República diz que não moverá uma palha para apear Dilma do poder, mas também não acredita que ela consiga terminar o mandato se mantiver os atuais índices de rejeição popular.

Ao tratar as coisas como elas são, sem subterfúgios, Temer começa a fazer um contraponto ao discurso da presidente da República, que minimiza a crise e continua a prometer saídas fáceis para a situação. Sinaliza um progressivo afastamento do PMDB, que somente não é maior por causa da Operação Lava-Jato, que investiga os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), entre outros caciques políticos.

As dores de cabeça de Dilma, porém, continuam por causa da possível rejeição das contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União (TCU), do julgamento dos gastos de campanha eleitoral pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, agora, por um pedido de impeachment apresentado pelo ex-deputado e jurista Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT, que pode receber apoio da oposição.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A grana da política

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 03/02/2015

 Pressionados pela opinião pública e pelos órgãos de controle, os políticos resolveram estabelecer regras mais rigorosas para as doações de campanha

O Senado derrubou ontem o financiamento de empresas a partidos e a candidatos. Os senadores alteraram o texto aprovado pela Câmara, que previa um limite de R$ 20 milhões para as doações de empresas aos partidos. O projeto volta para a Câmara onde deve causar grande polêmica.

O financiamento eleitoral é o nervo exposto da política nacional hoje — não a política dos cidadãos, que se exerce no dia a dia da sociedade, mas a política dos políticos, principalmente em campanha eleitoral. O fundo partidário, que tem financiamento público, recentemente foi triplicado, mas serve para manter o funcionamento dos partidos; quando nada, para manter seus dirigentes principais. É um nervo exposto porque a Operação Lava-Jato colocou em xeque o modelo atual, como veremos mais adiante.

Pressionados pela opinião pública e pelos órgãos de controle, os políticos resolveram estabelecer regras mais rigorosas para as doações, muito mais com a preocupação de se protegerem do que de garantir mais transparência aos gastos de campanha. A proposta aprovada pela Câmara, por exemplo, proíbe a doação de empresas a candidatos, mas na prática são eles que farão a captação e receberão o grosso dos recursos, como, aliás, já acontece. É uma maneira de camuflar o lobby que fazem em benefício das empresas doadoras.

A proposta também determina que cada partido possa receber doações de até 0,5% da receita da empresa doadora, ou seja, caso a empresa opte por doar o teto de 2% da receita, o valor deverá estar diluído entre ao menos quatro siglas. Pelo texto, as pessoas físicas podem fazer doações a candidatos ou partidos, de até 10% dos rendimentos que obtiveram no ano anterior à eleição. Essas regras somente serão mantidas se houver objeção ao fim do financiamento privado por parte da Câmara, para onde o projeto voltará depois de concluída a votação no Senado.

Volta à pauta o financiamento público de campanha, uma bandeira que o PT empunhou com ardor, em parte para se defender das acusações de envolvimento no processo do “mensalão”, a famosa Ação Penal nº 470 julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e no escândalo da Petrobras. Foi sepultada na Câmara e, agora, ressuscitada pelo Senado, onde foi derrotada a tese de que a proposta fortaleceria em demasia a cúpula dos partidos e ainda provaria um desequilíbrio nas disputas eleitorais, pois favoreceria os candidatos de riqueza pessoal elevada, em detrimento dos demais.

Toda essa discussão, entretanto, tem por pano de fundo a crise de financiamento das campanhas eleitorais, depois que a legislação pôs na ilegalidade uma velha tradição da política brasileira: o “caixa 2” de campanha, geralmente formado a partir do superfaturamento de contratos, desvios de verbas públicas e favorecimentos em licitações. O que distinguia o político honesto do desonesto era uma linha sinuosa, que apartava quem utilizava os recursos para a campanha propriamente dita e aquele que se apropriava do dinheiro para formar patrimônio.

Essa linha divisória, porém, nunca existiu para a opinião pública, muito menos para os órgãos de controle e fiscalização — como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Ministério Público e a Polícia Federal.

Doações

O estouro da boiada ocorreu com o chamado “mensalão”, cuja existência o PT nega até hoje. Consistiu num esquema de propina para financiamento da base do governo Lula no Congresso. A tese de defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT, orientada pelo então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, um grande advogado e jurista, foi de que de tudo não passou de “caixa 2” para a campanha eleitoral, que teria sido financiada por um empréstimo bancário.

Escaldado pelo mensalão, o PT optou por outro esquema mais sofisticado nas campanhas de 2010 e 2014, cuja execução ficou a cargo do ex-tesoureiro João Vaccari Neto, que se encontra preso preventivamente, em razão da Operação Lava-Jato. O escândalo da Petrobras revelou um bilionário esquema de desvio de recursos da empresa e de outras estatais, a partir da formação de um cartel entre as maiores empreiteiras do país e outras empresas, que em alguns casos existem apenas para lavar dinheiro.

O PT sustenta que todas as doações que recebeu na campanha foram legais e declaradas ao TSE, assim como a maioria dos políticos envolvidos. Uma parte dos recursos desviados foi movimentada através de contas no exterior e foi parar na conta pessoal de muitos envolvidos, que estão no sal. Mas o que foi parar na campanha como doação legal ensejará uma grande polêmica jurídica, cujo desfecho pode marcar uma renovação dos costumes políticos do país e promover um strike no Congresso e nos partidos políticos.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Jogo de máscaras

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 02/09/2015
 
O que será que levou Dilma e Cunha ao diálogo? Temores recíprocos, além da atuação do ex-presidente Lula nos bastidores do Congresso e do Palácio do Planalto


A presidente Dilma Rousseff recebeu em audiência ontem seu mais figadal adversário político, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para uma conversa cuja versão tornada pública pelo parlamentar teria sido das mais republicanas. Dilma estaria preocupada com a chamada pauta-bomba, principalmente quanto aos salários de diversas corporações, entre as quais delegados, procuradores de estados e municípios e integrantes da Advocacia-Geral da União.

Segundo Cunha, Dilma manifestou preocupação com projetos que geram gastos, mas não pediu para que o Congresso aprove aumento de impostos, como a recriação da CPMF, proposta anunciada na semana passada e logo engavetada em razão das reações contrárias. “A preocupação é o Orçamento, o deficit e o aumento da despesa pública por projetos que possam ser aprovados e que têm impacto orçamentário”, disse Cunha.

O presidente da Câmara aproveitou a oportunidade para demonstrar que sua relação com o Planalto é “institucional”, embora tenha reiterado que está em oposição ao governo. Dilma teria aberto um “canal de diálogo” com Cunha. “O que ela quis fazer, politicamente, é discutir um problema que está afetando as contas públicas do país, para ter o canal aberto para diálogo nas circunstâncias que forem necessárias”, disse ele.

O que será que os levou ao diálogo? Temores recíprocos, além da atuação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos bastidores do Congresso e do Palácio do Planalto. Dilma governa aos trancos e barrancos (a oposição diz que ela “desgoverna”) e teme um processo de impeachment; Cunha foi denunciado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, por supostamente ter recebido US$ 5 milhões de propina oriunda da compra de dois navios-sonda pela Petrobras.

Lula atuou como bombeiro para evitar efeitos colaterais na disputa, isto é, que a CPI da Petrobras, que Cunha controla, faça uma política de terra arrasada, convocando pessoas próximas ao ex-presidente da República, como o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto. Por isso, Dilma a marcou a audiência com Cunha.

Nada disso, entretanto, deve mudar a rota da crise política, que se retroalimenta da recessão, do desemprego, da inflação e da alta do dólar, de um lado, e da Operação Lava-Jato, de outro. Cerca de 100 políticos já estariam sob investigação. Com certeza, 47 integram o Congresso. Ninguém sabe ao certo quem são a maioria dos envolvidos, supõe-se que sejam os enrolados de sempre. Mas os possíveis acusados sabem o que fizeram no esquema de propina e isso cria um ambiente de muita apreensão tanto na Câmara quanto no Senado.

Ontem, a Polícia Federal indiciou o ex-ministro da casa Civil José Dirceu, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, o ex-diretor da Petrobras Renato Duque e o empreiteiro Gerson Almada, da Engevix, por envolvimento no desvio de R$ 56 milhões da Petrobras. De outra parte, o Ministério Público Federal denunciou o almirante da reserva Othon Luiz Pinheiro da Silva e executivos da Andrade Gutierrez e da Engevix, num total de 15 pessoas. Ou seja, é uma marcha inexorável, que cedo ou tarde chegará aos parlamentares e demais políticos envolvidos no escândalo.

Orçamento
 
O Palácio do Planalto parece apostar no acuo dos parlamentares envolvidos no escândalo da Lava-Jato ao encaminhar para o Congresso uma proposta orçamentária com deficit de R$ 30,5 bilhões. Apesar da grita da oposição, que pede a devolução da proposta para o Executivo, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), não pretende fazê-lo. Cunha apoia essa decisão.

Retórica oposicionista à parte, um dos líderes mais importantes da oposição minimiza a polêmica. Argumenta que toda proposta orçamentária “é uma peça de ficção” e que há uma “tempestade em copo d´água”. Nos bastidores, avaliava-se que a inusitada proposta de Orçamento para 2016 seria resultado da luta na equipe econômica.

Estão em disputa aberta os ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, cada vez mais prestigiado no Palácio do Planalto, e da Fazenda, Joaquim Levy, cada dia mais jururu. Quem pontifica e dá as cartas é o chefe da Casa Civil, ministro Aloizio Mercadante. Perdida, Dilma concorda com Barbosa, mas tem medo da saída de Levy.