domingo, 23 de agosto de 2015

O lixo da História

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 23/08/2015

O colapso do projeto de Dilma se deve às ideias políticas e econômicas fora de lugar, secundadas por práticas patrimonialistas que ameaçam desmoralizar toda a esquerda

Após o AI-5 (13/12/1968), o Brasil entrou num período de trevas e radicalização política. O sociólogo Roberto Schwartz, então professor de teoria literária da Universidade de São Paulo (USP) e assistente de Antônio Cândido, teve que se esconder na casa de amigos e, depois, se exilar na França, onde releu O Príncipe, de Maquiavel, e O Alienista, de Machado de Assis. Nessas obras se inspirou para escrever uma chanchada intitulada A lata do lixo da História (Companhia Das Letras), uma sátira impiedosa da sociedade brasileira na época do regime militar.

Estavam ali os germes de uma de suas obras mais importantes, Ideias fora do lugar (Companhia Das Letras). No ensaio que intitula a obra, ele procura mostrar como as ideias liberais eram solapadas pela realidade de um país escravocrata e socialmente atrasado, em que o favor era a moeda corrente, como é ainda hoje na política brasileira. Nos anos 1970, a expressão “vai para a lata do lixo da História” era muito usada pelos setores de esquerda que hoje ocupam o poder.

Era uma maneira de dizer que tanto as ideias liberais quanto as da velha esquerda haviam sido derrotadas e que seriam ultrapassadas pelas “novas lutas”, inspiradas em Cuba e na China, na medida em que a “revolução coincidisse com a derrubada da ditadura”. Não foi bem isso o que aconteceu, pois a luta armada contra o regime foi um fiasco e a política de unidade das forças democráticas, defendida por liberais e comunistas, deu forma à derrocada do regime militar.

Ocorre, porém, que a História é voluntariosa. No bojo desse processo, emergiu o novo sindicalismo do ABC, que nada tinha a ver com os velhos sindicalistas ligados ao PTB e ao PCB. Líder dos metalúrgicos de São Bernardo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva organizou a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e criou o PT. A tese da lata do lixo da História pareceu se confirmar quando, em 2002, ele chegou à Presidência.

A gênese dos partidos operários está na velha tese marxista da centralidade do trabalho na luta política, que parte da ideia de que a contradição entre o trabalho e o capital é o motor da História e o eixo de atuação política do partido. Vem daí o glamour perdido do PT e o fascínio dos intelectuais e artistas de esquerda por Lula.

Vale destacar que filósofa alemã Hanna Arendt, uma democrata radical, sempre viu nessa concepção que absolutiza o trabalho uma das raízes do totalitarismo. Para ela, a condição humana é dada não pela atividade laboral, um meio de sobrevivência, mas pelo “agir e pensar politicamente”, em regime de plena liberdade, o que tanto o fascismo como o stalinismo não permitiram.

O colapso

Durante a guerra fria, essa contradição se manifestava na disputa entre a União Soviética, os países do Leste europeu, os países dependentes e os movimentos nacionalistas, de um lado, e o os países desenvolvidos, principalmente os Estados Unidos, ou seja, o imperialismo, de outro. Com o fim da União Soviética e a derrocada do comunismo no Leste europeu,  a situação se modificou completamente.

O que restou disso, além de Cuba e da Coreia do Norte, foi o misto de capitalismo de Estado e “modo de produção asiático” do partido comunista chinês, secundado pelo Vietnã, que disputa com os Estados Unidos, via Oceano Pacifico, o controle do comércio mundial.

O “grande jogo” da política mundial e a globalização, porém, para muitos setores da esquerda, continuaram sendo vistos na ótica dos velhos paradigmas marxistas, ou seja, o inimigo principal é o imperialismo norte-americano; o capitalismo de Estado, após a tomada do poder, é a antessala do socialismo.

A aliança com a África do Sul, a China, a Índia e a Rússia seria a vanguarda de uma nova ordem mundial, assim como o Mercosul é um bloco anti-imperialista. Esse é o grande nó da política empreendida pelo governo Dilma, a chamada “nova matriz econômica”, que apostou no intervencionismo estatal para expandir o mercado interno e direcionar a economia, cometendo erros sucessivos de gestão, cujos resultados negativos nas atividades produtivas estamos colhendo agora.

O colapso dessa estratégia não se deve apenas à corrupção na Petrobras e outras estatais, envolvendo o PT e seus aliados, executivos de empresas públicas e empresários a ela ligadas. Esse é o elemento catalisador da crise econômica e política. O colapso do projeto político de Dilma e do PT se deve às ideias políticas e econômicas fora de lugar, seguidas por práticas patrimonialistas estimuladas por Lula, que ameaçam enlamear toda a esquerda e jogar suas lideranças na lata do lixo da História porque derivaram para o escândalo da Operação Lava-Jato.

É por isso que o governo Dilma não tem uma saída à vista para a crise econômica. Além de ter provocado a volta da inflação, a recessão, o desemprego e a explosão da dívida pública, Dilma perdeu o rumo. Sua base política e social rejeita o ajuste fiscal — um mero paliativo — e não quer nem ouvir falar em mudanças estruturais na direção do mercado. Luta apenas pela sobrevivência do próprio mandato.


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